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Lázaro Cárdenas: afetado, mas não afundado

Na segunda-feira passada o México retomou o controle desta zona de Michoacán

Paula Chouza
Militares mexicanos durante a tomada do controle da vigilância do porto de Lázaro Cárdenas na segunda-feira 04 de novembro.
Militares mexicanos durante a tomada do controle da vigilância do porto de Lázaro Cárdenas na segunda-feira 04 de novembro.efe

Ao ser construído, há 35 anos, o porto Lázaro Cárdenas, no sudoeste do Pacífico mexicano, se destinava a ser o coração econômico do estado de Michocacán. “Morelia, a capital do estado, nunca teve controle desta zona, que sempre foi impulsionada pelo governo federal”, comenta um prestigiado pesquisador mexicano. Embora a construção do porto seja posterior, foi o general Lázaro Cárdenas, presidente do México entre 1934 e 1940, quem criou a cidade para desenvolver a indústria siderúrgica na região. Há mais de oito anos, e até a segunda-feira passada, o porto, “o mais importante em volume de carga geral, o segundo em manejo de containers e o terceiro em importação e exportação”, segundo declarou esta semana o governo de Peña Nieto, era um território sequestrado. Devido ao seu valor estratégico, em 2006 os carteis da droga – a Família Michoacana primeiro, e os Cavaleiros Templários depois – assumiram o controle das atividades na área, permitindo o tráfico ilegal de substâncias – cocaína do sul e precursores das metanfetaminas provenientes da Ásia. Conforme publicou na terça-feira o jornal Milenio, os criminosos decidiram estabelecer suas atividades ilegais em Lázaro Cárdenas “combinadas com a lavagem de dinheiro mediante atividades legais” diversas, como a compra e venda de imóveis e de gado e a importação de roupas da China, entre outras.

“Todo mundo sabia o que acontecia lá, o CISEN (Centro de Investigação e Segurança Nacional) também, mas durante anos nada foi feito, deixaram passar”, comenta novamente o analista. Na segunda-feira passada, o exército entrou no porto, desarmou os 113 agentes da polícia municipal e assumiu o controle da zona. “A intervenção estava anunciada há meses”, acrescentou. À parte o mercado ilegal de substâncias, a tomada de Lázaro Cárdenas revelou uma trama de extorsões de dimensões assustadoras de quaisquer negócios operando no porto que chegava a cobrar cotas de até 10% da produção de cada empresa. “O que espanta é que a descoberta deste negócio ilegal de proporções incalculáveis não se deu de um dia para o outro. É um fenômeno que foi se desenvolvendo ao longo dos anos; nas três décadas desde que foi construído e fundado o porto, com a esperança de fomentar o desenvolvimento da região”, escreveu na quarta-feira o jornalista Ricardo Rocha no jornal El Universal.

Contudo, a extorsão é comum nos municípios de Tierra Caliente, onde reinam os Templários. Os habitantes desta região econômica, que reúne povoados de Michoacán e do estado de Guerrero, vivem principalmente da pecuária e do cultivo de algumas frutas, especialmente o limão. Devido à sua topografia, que dificulta o acesso, a serra é um esconderijo perfeito para os carteis. Em fevereiro passado, mais de 30 comunidades se alçaram em armas. Os chamados grupos de autodefesa, civis que decidiram fazer justiça com as próprias mãos ante o abuso do crime organizado, marcharam no dia 26 de outubro até a cidade de Apaztingán, a maior da região, com quase 100 mil habitantes. Um ataque com granadas e vários disparos na praça central foi o primeiro de uma série de enfrentamentos armados que mergulharam Michoacán na sua mais recente crise de violência. Os acontecimentos daquele sábado explicam a tomada de Lázaro Cárdenas. “Foi uma medida reativa”, diz o pesquisador Alejandro Hope, “e é bom que tenha sido tomada, mas não é suficiente. As atividades dos Templários não foram desmanteladas, só atrapalhadas. O problema das guardas comunitárias e da crise política no estado tampouco foi resolvido [o governador Fausto Vallejo acaba de voltar, depois de cinco meses de ausência por uma doença que não foi divulgada]”.

“O porto de Lázaro Cárdenas é um fator fundamental no comércio exterior do nosso país”, declarou o governo federal na segunda-feira. Por ali são importados e exportados principalmente minerais, produtos agrícolas, veículos e líquidos, com países asiáticos e da América Latina. “As operações alfandegárias realizadas no porto têm importância estratégica para o Serviço de Administração Tributária. Neste ano houve 91.296 operações de comércio exterior. O valor das importações é de pouco mais de 121.825 milhões de pesos (9.205 milhões de dólares) e o das exportações de 43.182 milhões de pesos (3.263 milhões de dólares)”. Segundo o governo federal, o porto acolhe diariamente operações comerciais com 41 empresas privadas e entidades públicas, como PEMEX e a Comissão Federal de Eletricidade. Por isso, é difícil entender como um porto de tal envergadura, num país membro da OCDE que ocupa o posto de 14º na lista dos mais ricos, pôde ficar sequestrado por quase uma década sem que ninguém interviesse.

“Houve cumplicidade”, afirma Hope. “O governo local estava cooptado pelo crime, houve cumplicidade de uma parte do governo estadual e também das agências federais, seja por intimidação ou por corrupção. Por exemplo, a Alfândega nunca foi depurada”. A família de Leonel Godoy, governador de Michoacán entre 2008 e 2012, é oriunda de Lázaro Cárdenas. O seu meio-irmão, Julio César Gogoy Toscano, hoje fugitivo da justiça depois de ter sido acusado de ligação com o tráfico, foi presidente municipal em 2009 e neste mesmo ano se candidatou a deputado federal, algo impensável em outro estado da República se ele não contasse com o apoio do governador, seu irmão, do mesmo partido, o esquerdista PRD.

Recentemente, Luisa María Calderón, senadora do PAN, ex-candidata a governadora do estado nas últimas eleições e irmã do ex-presidente da República, Felipe Calderón (2006-2012), vinculou as instituições políticas e a cidade de Apatzingán ao crime organizado em entrevista a EL PAÍS: “O prefeito é primo do Chayo [Nazario Moreno González, líder do cartel da Família Michoacana, dado por morto em 2010], a tesoureira era esposa do Chango [José de Jesús Méndez Vargas, cabeça deste mesmo grupo], alí estão as suas casas, as suas famílias, ali guardam as suas armas, ali eles se abastecem de gasolina”.

Nesta quarta-feira, a Polícia Federal anunciou a detenção de Leopoldo Jaime Valladares, irmão de José Guadalupe Jaime Valladares, ex-presidente municipal interino de Apatzingán. Ele é acusado de ser o possível responsável pelos delitos de porte de arma de uso exclusivo das forças armadas, extorsão e roubo de veículo e está sendo investigada a sua participação nos ataques contra instalações da Comissão Federal de Eletricidade, na madrugada de domingo, 27 de outubro, que deixaram centenas de milhares de pessoas sem energia elétrica.

Enquanto isso, o governo federal anunciou a ocupação “indefinida” do porto de Lázaro Cárdenas. “A eficácia da medida dependerá do tempo que dure e do que se faça no entorno”, concluiu Hope. “Precisamos nos perguntar: e depois? Como os criminosos vão se adaptar?”

Tradução de Cristina Cavalcanti

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Sobre la firma

Paula Chouza
Periodista de Política en EL PAÍS. Participó en el lanzamiento de EL PAÍS América en México. Trabajó en el Ayuntamiento de A Coruña y fue becaria del Congreso de los Diputados, CRTVG o Cadena SER. Es licenciada en Periodismo por la Universidad de Santiago de Compostela, Máster en Marketing Político y Máster de Periodismo de EL PAÍS.
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