Entrevista con Eliane Brum
Escritora, repórter, documentarista e colunista do EL PAÍS Brasil
A jornalista conversa com os internautas nesta quinta-feira às 11h da manhã hora de Brasília (15h de Madri)
1Orfeu Prado27/03/2014 03:01:13
Eliane, quando você escreveu sobre os rolezinhos emergentes ao final de dezembro último, algumas pessoas da sociedade civil organizaram um evento na internet que propunha um rolezinho na porta da sua casa como forma de retaliação à coluna. Isso mostra como alguns setores da população estão prontos para defender o preconceito e a exclusão a qualquer custo. O que você pensa sobre essa acentuação de tais setores nessa época em que a discussão sobre Direitos Humanos é gritante e o Brasil parece dividir-se em dois, ou seja, a população oprimida e a que a defende e a população com ares de fascista? Sobre o tal evento organizado na porta de sua casa, você teve receio de algo? Você teme por alguma forma de violência que possam te fazer por você desbravar assuntos que antes não eram tocados? Grato!
Oi Orfeu. Respondendo mais especificamente a sua última pergunta Já sofri algumas ameaças verdadeiramente graves ao longo de anos de reportagem. Mas sei que sou bem mais protegida do que a maior parte da população, porque sou de classe média e sou branca. Em geral, nas denúncias que fiz, as pessoas cujas histórias eu contei é que corriam riscos cotidianamente nas suas vidas. O que para mim era exceção, para elas era o dia a dia. Tento nunca perder de vista esse fato. Escrever, contar essas histórias, manter o debate no campo das ideias é um ato de resistência, é o pacto que fiz ao me tornar jornalista.
2Olnei Araujo27/03/2014 03:14:52
Eliane, como você avalia o governo da primeira mulher eleita presidente do Brasil? Podemos nos orgulhar deste fato?
Quando a Dilma venceu a eleição, escrevi questionando se fazia diferença uma mulher se tornar presidente da República, para além do fato comemorativo óbvio. Me perguntava se havia um jeito feminino de governar e também sobre a imagem do que é ser uma mulher que foi usada na campanha, especialmente a expressão marqueteira de "mãe do PAC", a mulher ligada à maternidade e a todos os clichês de gênero. Sobre a avaliação do governo, eu precisaria de várias colunas para responder. Mas, ficando em apenas uma questão, acho lamentável que esse governo tenha levado adiante a visão da ditadura sobre a Amazônia e sobre os povos da floresta. É o mesmo olhar, da Amazônia como um corpo para a exploração, território para fazer grandes obras e acomodar grandes interesses. É um governo que não escuta os povos da floresta, como indígenas, ribeirinhos e quilombolas, que são vistos como "entraves ao desenvolvimento", uma visão de uma mediocridade assombrosa. Que neste momento histórico esse olhar sobre a Amazônia se mantenha é uma perda que tem e terá graves consequências para o Brasi.
3Anónimo27/03/2014 03:21:36
Qual sua maior motivação/ inspiração para ir em uma via contrária a que a imprensa costuma seguir, e dar voz a histórias aparentemente comuns, mas que carregam tanta força? Quando o Nordeste terá o prazer de receber sua presença para um bate-papo?
Como colunista, escrevo para desacomodar o leitor, para deslocá-lo do lugar a que está acostumado, de forma que possa enxergar uma determinada questão de outros ângulos possíveis. Não escrevo para apaziguar, mas para perturbar. Se consigo ou não, só os leitores podem dizer. Para fazer isso, preciso antes desacomodar a mim mesma. É o que tento fazer cotidianamente. Como repórter, percebi, logo no início da minha vida de jornalista, que algumas vidas (e mortes) "aconteciam" e outras "desaconteciam" ao não virar narrativa. Fiz a minha escolha, de contar os que estavam às margens, de várias maneiras, e também à margem da narrativa. Quanto à visita ao Nordeste, eu apareço por lá sempre que possível :)
4Juan Arias27/03/2014 03:26:26
Eliane, você que nos oferece tantas histórias de dor, crueldade e segregação, onde se refugia em busca de um pouco de felicidade pessoal?
Oi Juan! Tento buscar delicadeza, mesmo nas horas brutas dos meus textos. Quando saio deles e mesmo desse excesso de realidade cotidiana, eu preciso ler. Literatura. Eu leio todo dia. Se não leio, não consigo levar a vida adiante. Ler é, desde criança, a minha forma de sair um pouco do mundo, mesmo do mundo que sou eu. E, mais recentemente, me tornei uma viciada em seriados de TV. Ando obcecada por eles, que também se tornaram minha maneira de sair de mim. Nem vou começar a falar aqui sobre seriados, que quando começo não consigo parar :)
5Fernanda27/03/2014 03:34:56
Oi, Fernanda. Tenho certeza que sim, mas agora, de imediato, não consigo lembrar de nenhum texto específico. O que me acontece com mais frequência é achar que poderia ter escrito de outra maneira, às vezes as melhores frases aparecem na minha cabeça no meio da noite, quando o texto já foi publicado. Parece um boicote do cérebro, fico brigando comigo mesma. Também me arrependo de partes de reportagens que fiz, como aquela em que conto no Olho da Rua, sobre a casa de velhos, na qual escutei histórias que não deveria ter publicado porque constrangeu as pessoas no dia seguinte. A gente vai aprendendo a não cometer os erros antigos, mas sempre comete alguns novos. Tento me questionar muito, o tempo todo, para tentar minimizar a possibilidade de erros e arrependimentos, mas acontece. E sofro muito quando acontece. Nas reportagens criei um limite pessoal. Antes de sair de casa, me pergunto: Se aparecesse um repórter na minha porta, eu abriria? Se um repórter me fizesse essa pergunta, eu responderia? Se minha resposta for não para ambos os questionamentos, não faço a reportagem. Acho que não posso pedir ao outro o que não posso dar.
6Patricia Ribeiro27/03/2014 03:43:24
Os temas que você trata falam muito do que está na imprensa. Como é o seu processo criativo? Você lê muito antes de eleger um tema? Ou simplesmente quando acorda começa a escrever algo que está na sua cabeça? Não fica aborrecida com as críticas?
Eu só escrevo sobre algum tema se tenho algo a dizer que ainda não foi dito ou não foi dito da maneira que eu posso dizer. Quando são acontecimentos, procuro só escrever sobre eles quando acho que tem algum canto escuro a ser iluminado. As colunas me dão muito trabalho, porque a ideia é só um ponto de partida para a investigação. Jamais acordo e tiro algo da minha cabeça. É um longo percurso, que pode levar de dias a semanas. Tenho muito respeito pelo tempo do leitor - que, como já disse o professor Antonio Candido, "não é dinheiro, mas o tecido das nossas vidas". Preciso merecer a leitura. Quanto às críticas, acho importante quando a pessoa critica com ideias, com consistência. Na internet os textos se tornam textos-debates. Eu começo a escrever, mas os leitores continuam, em diferentes espaços. Aprendo com muitos leitores que realmente querem debater, discordar com densidade, com desejo de colaborar e discutir. Quando é só agressão, violência, aí acho triste, mas tento escutar o que essa violência está dizendo daquela pessoa. Neste caso, o comentário diz mais da pessoa que o faz do que de mim ou do meu texto.
7Anónimo27/03/2014 03:47:24
Oi Francimare! No caso da coluna, escrevo na expectativa de que a minha voz, o que tenho a dizer, ecoe nas pessoas, dialogue com elas. Acredito profundamente na narrativa como instrumento de transformação da vida - e especialmente das realidades injustas. Escrever é minha expressão no mundo - e eu acredito em mudar o mundo. Mesmo que seja bem pouquinho.
8M.M27/03/2014 03:57:47
Oi Eliane! Eu gostaria de saber duas coisas sobre o seu trabalho. Você trabalha com algum método específico? Como se organiza antes de escrever uma matéria? E considera seu perfeccionismo no trabalho, e imagino que também na vida, um defeito ou uma qualidade?
Oi M.M! Falando especificamente da reportagem, acredito (e sempre repito isso) que há um movimento sem o qual não conseguimos fazer uma reportagem. Antes de atravessar a rua, concreta, porque reportagem se faz na rua, precisamos atravessar a rua de nós mesmos. Isso significa um movimento bem difícil, que a gente vai aprimorando ao longo da vida, cada um do seu modo. Consiste em se esvaziar de si - dos seus preconceitos, de sua visão de mundo etc - para ir em direção ao mundo que é o outro o mais vazio possível, para então ser preenchido por essa outra maneira de se relacionar com a vida. E depois empreender o caminho de volta, o que também é bastante complicado. Fazer reportagem, na minha experiência, é se desabitar por um momento para se deixar habitar pelo outro. Sempre que volto, levo um tempo para me adaptar à minha vida, porque é uma entrega profunda, e eu já não sou a mesma. Quanto ao "perfeccionismo", eu sou bem obsessiva. Posso errar- e às vezes erro -, mas preciso ter a certeza de que fiz tudo o que era possível para não errar e para fazer o melhor que eu podia fazer. Mas, claro, isso tem um custo. E tem um custo alto. Para mim é a única maneira. Quando não der mais conta, eu paro.
9Eduardo Martins27/03/2014 04:03:46
Eliane, além de ter feito documentários, pensa em algum dia fazer um filme de algum livro seu, como 'Uma duas', ou de alguma crônica se estender além da escrita e virar um documentário?
Oi, Eduardo! Faço documentários como uma outra experiência de escrita, a de escrever com imagens. Mas sou foca em documentários. Não penso em fazer um filme do Uma Duas, não, acho que não saberia fazer, é importante um outro olhar. Mas, claro, eu sonho que um dia o Uma Duas vire um filme ou uma peça de teatro. É claro que sou a pessoa mais suspeita a dizer isso, dá até um pouco (bastante) de vergonha Mas acho um romance tão teatral e cinematográfico. Enfim, sonhos são sonhos, por enquanto não aconteceu. Agora o Uma Duas tá sendo traduzido para o inglês, vai ser publicado pela Amazon. Quem sabe..
10Karina Arruda27/03/2014 04:10:56
Eliane, como você se descobriu jornalista? Em que momento você teve certeza de que era isso que você queria fazer? Sempre teve esse desejo dentro de si? Ainda acredita que esse é o seu papel nesse mundo ou ainda (mesmo que raramente) tem suas dúvidas quanto a isso?
Oi Karina! Eu não tinha a menor convicção de que queria ser jornalista, tinha uma auto-estima baixíssima e achava que não servia pra nada, muito menos pra falar com gente, até o fim da faculdade. É uma longa história. Descobri que era o que eu queria ser quando fui fazer uma matéria sobre prostitutas, no último semestre de jornalismo. Conheci na noite uma prostituta e marcamos de conversar na tarde do dia seguinte. Quando bati no apartamento, atendeu uma mulher nua. Não era aquela com quem eu tinha combinado, mas outra. Expliquei que queria entrevistá-la e ela, talvez pela surpresa, abriu a porta. Quando entrei, era uma quitinete onde havia apenas uma cama. Nesta cama estava o cafetão, também nu. Por um momento, não sabia o que fazer nem onde sentar. Mas foi só um segundo. Sentei, então, no cantinho da cama, e comecei a entrevistá-los. Eles nus, bem aprumados na cama, por causa da solenidade do momento, e eu (vestida). Quando saí de lá, estava eufórica. Tinha descoberto que, com um bloquinho e uma caneta, podia entrar em qualquer lugar, escutar qualquer pessoa. Foi assim que me tornei repórter e descobri que ser repórter é a melhor profissão do mundo.
11Jamille Cardoso27/03/2014 04:19:47
Eliane quais são os escritores que te inspiram?
Oi Jamille! Bah, são muitos. E sempre que esqueço um, me sinto uma traidora. Depois de tantas horas incríveis, traí aquele homem ou aquela mulher Comecei a fazer uma lista, aqui, mas fui ficando aflita. Vou demorar cinco horas, porque isso é muito sério pra mim. O que acho mais importante dizer é que, no meu caso, fui tão influenciada pelos escritores que li quanto pelas pessoas que eu escutei durante esses anos todos de reportagem. O povo brasileiro tem uma linguagem de uma diversidade impressionante quando a gente se move pelo mapa, com uns achados extraordinários. Por isso é tão triste quando se pasteuriza tudo, na TV, por exemplo, como se existisse uma língua só. Muitas vezes estive diante de analfabetos que faziam literatura pela boca. Vivi escutas de chorar de lindas Esse povo todo me habita com suas vozes que falam de um jeito de estar no mundo que só eles expressam.
12Anónimo27/03/2014 04:25:54
Olá Eliane, em primeiro lugar te admiro muito, você é uma pessoa que tem um potencial muito grande (estou morrendo de medo de escrever para você, pode ter vários erros ortográficos, mas o importante é que estou falando com Eliane Brum) Então, como é que consegue escrever tantas e grandes ideias como você escreve?? Como pensa?? De onde vem estes grandes pensamentos?? Você se inspira em algo?? Obrigada!!! Você é uma grande mulher.
Oi Letícia! Muito obrigada por dizer tudo isso Eu só sou curiosa, curiosa mesmo. Fico contando os anos que supostamente tenho ainda de vida e pensando quanto mundo ainda posso conhecer. Escrever é o que dá sentido à minha vida. Não saberia viver sem a palavra escrita.
Mensaje de Despedida
Mil desculpas por ter faltado tempo para responder todas as perguntas. E muito obrigada por se interessarem em me escutar. Bom dia pra todos! Até segunda. grande abraço
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