_
_
_
_

O Papa se mostrou forte no Brasil

Dois milhões de pessoas apoiam no Rio a mensagem de mudança de Francisco e reforçam sua imagem diante do setor conservador da Cúria

Foto: atlas | Vídeo: ATLAS

Até mais ou menos quatro meses atrás, a mensagem da Igreja era simples e fácil. Diante dos graves problemas que ameaçavam deteriorar o concreto de uma instituição milenária — as denúncias de pedofilia, a corrupção econômica — a resposta indolente de seus altos mandatários bloqueava qualquer mudança: “já tivemos esse problema no século XIII”. Joseph Ratzinger, idoso e só, foi isolado convenientemente pela Cúria romana, que disputou entre si ferozmente a túnica de sua sucessão. Sua escandalosa renúncia — o grito de um homem que jamais havia levantado a voz — propiciou a chegada de Jorge Mario Bergoglio. O papa argentino não só está decidido a limpar o Vaticano, como também a utilizar a força que segue tendo a Igreja — representada pelos milhares de jovens que participaram na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) do Rio de Janeiro — para lutar por um mundo mais justo. Sua mensagem final para os mais de dois milhões de pessoas reunidas na praia de Copacabana não deixa lugar a dúvidas: “Levar o evangelho é levar a força de Deus para arrancar e arrasar o mal e a violência; para destruir e demolir as barreiras do egoísmo, da intolerância e do ódio; para edificar um mundo novo”.

As imagens, ainda que espetaculares, não refletem o ambiente de festa que permeou a presença do papa Francisco no Brasil. Durante quase uma semana, apesar da chuva e dos problemas de organização, milhares de jovens vindos de todo o mundo participaram das catequeses com os bispos e, principalmente, nos encontros com um Papa que, longe de pedir mesura, animou-os a que se manifestassem. Se fosse possível escolher o momento mais importante, talvez tenha sido o do encontro com os jovens argentinos, onde Bergoglio traçou seu plano de rota: “quero que saiam às ruas e façam barulho, quero que a Igreja saia às ruas, que abandone o caráter mundano, a comodidade e o clericalismo, que deixemos de estar trancados em nós mesmos. Que me perdoem os bispos e curas, mas esse é o meu conselho…”. Do Brasil, o papa Francisco leva consigo para Roma o respaldo total da infantaria da Igreja para lutar contra “a incoerência” do Vaticano.

"Quero que a igreja saia às ruas e faça barulho, que abandone o clericalismo", disse o papa Francisco

No sábado à noite, no começo da Vigília que foi celebrada na praia de Copacabana, o Papa voltou a animar os jovens para que tomem as rédeas de seu futuro. “Por favor”, disse a eles, “não deixem que outros sejam os protagonistas das mudanças. Vocês são o futuro”. Em alguns momentos, mais que o ancião chefe de uma igreja milenária, parecia um líder radical que agitava as massas. Sua voz ressoava pelos alto falantes de toda a Avenida Atlântica entre aplausos dos jovens que já preparavam seus sacos de dormir para passar a noite ao relento. “Não sejam covardes, não vejam a vida passar, não fiquem assistindo de camarote sem participar, entrem nela, como fez Jesus e façam um mundo melhor e mais justo”.

Outra vez, o Papa construiu seu discurso em paralelo. Uma parte, destinada a fortalecer a fé já existente dos jovens que, de todas as partes do mundo, viajaram para o Rio de Janeiro para encontrar-se com ele. A outra — mais extensa — dirigida a todos os públicos, destinada a quem há quatro meses observa, entre surpresa e incredulidade, a irrupção no panorama mundial, não só religioso, deste Papa que tem sede de batalha.

Nesse plano, animou os jovens a não terem medo de “nadar contra a correnteza”. Confiou a eles que havia seguido “atentamente” as notícias sobre os milhares de jovens que em muitas partes do mundo e mais recentemente no Brasil, têm se manifestado nas ruas “para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna”. O papa Francisco ofereceu um claro apoio aos indignados: “São jovens que querem ser protagonistas da mudança. Eu os animo a que, motivados pelos valores do evangelho, continuem superando a apatia e oferecendo uma resposta cristã para as inquietudes sociais e políticas presentes em seus países”.

O Papa volta para Roma mais forte. Agora deverá deparar-se com temas duros, como a reforma do banco do Vaticano

Será muito interessante observar nos próximos meses que leitura será feita desses conselhos muito claros de Jorge Mario Bergoglio — sair às ruas, fazer barulho, ser protagonista da mudança para o compromisso social dos governantes — pelos setores mais conservadores, por exemplo, a Conferência Episcopal Espanhola, ainda liderada pelo Monsenhor Rouco Varela e alinhada para formar um só corpo com um Governo que — suas obras falam por eles — caminha na direção contrária aos postulados e ao estilo do novo Papa. Rouco e o Governo do Partido Popular (PP) continuam colocando sotaque no inferno — demonizam ao contrário, recortando os direitos civis que a base católica já havia aceito com tolerância — enquanto que Bergoglio aposta no encontro com o diferente à saciedade e, principalmente, no diálogo “sem ideias gratuitas preconcebidas”. Do Brasil, o Papa volta para Roma mais forte. Porém sua próxima viagem não será tão prazerosa. A reforma da Cúria e, sobretudo, do banco do Vaticano, se apresentam como uma autêntica incursão a um lado obscuro.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_