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mulheres líderes na Colômbia

Juliana Hernández: “O conflito armado dominou a agenda feminista na Colômbia por 60 anos”

A diretora executiva da fundação Artemisas fala sobre paridade, representação das mulheres em cargos eletivos e a violência política e econômica sofrida pelas mulheres líderes na Colômbia

Juliana Hernández, líder feminista e fundadora da organização Artemisas, posa para um retrato em Melgar (Colômbia) em 4 de junho de 2023.
Juliana Hernández, líder feminista e fundadora da organização Artemisas, posa para um retrato em Melgar (Colômbia) em 4 de junho de 2023.Diego Cuevas
Catalina Oquendo

Quando criança, Juliana Hernández De La Torre (Facatativá, Cundinamarca, 34 anos) sonhava em trabalhar para uma organização humanitária na África. Ela acreditava que era lá, a milhares de quilômetros de distância de sua Colômbia natal, que estavam as necessidades. Não sabia o que estava acontecendo aqui, na capital, no Pacífico colombiano ou na costa do Caribe devastada pela guerra. Naquela altura, ela estava longe da luta de milhares de mulheres que enfrentaram grupos armados, criaram seus filhos em meio à violência e enfrentaram o medo para ajudar suas comunidades. Elas eram mulheres de ferro que lideravam processos políticos sem nunca terem estado no poder.

Hernández é graduada em Finanças e Relações Internacionais, deu mil voltas pessoais e profissionais, trabalhou no setor financeiro, envolveu-se em processos sociais, distanciou-se do conflito para preservar sua saúde mental e, não, nunca foi para a África. Ela trocou esse sonho por um maior: criar redes de formação em seu país para que essas mulheres líderes possam conquistar a arena política. Sua premissa e a da Artemisas, a organização que ela criou durante a pandemia, é que para mudar o país é preciso mudar a política.

Juliana Hernández no Congresso da República em Bogotá (Colômbia) em 25 de maio de 2023.
Juliana Hernández no Congresso da República em Bogotá (Colômbia) em 25 de maio de 2023.Diego Cuevas

O problema é que na Colômbia, assim como em outros países da América Latina, a política ainda é dominada por homens. Não apenas no Congresso, onde apenas 28% dos assentos são ocupados por mulheres, mas também em outros cargos eleitos pelo povo nas regiões. Isso sem mencionar a presidência. A que mais se aproxima desse cargo é a vice-presidente Francia Márquez, e sua ascensão ao posto custou-lhe ataques racistas, violência política e exigências maiores do que as normalmente se exigem aos homens.

Hernández está empenhada em fornecer ferramentas e formação às mulheres que desejam entrar na política para evitar que os homens continuem a abrir as portas para elas, como tem sido tradicionalmente o caso. “Esse é um legado de uma cultura patriarcal que precisamos romper”, diz ela e reflete sobre como isso tem sido constante em sua vida. Seu pai fez isso; seus chefes no setor financeiro, onde ela se tornou gerente de marketing quando ainda era muito jovem; depois, seus colegas em outras organizações sociais. Isso custou-lhe muito. Em uma conversa profunda em um café em Bogotá, Hernández admite que isso fez dela uma líder autoritária e agressiva, uma mulher que assumiu atitudes patriarcais para demonstrar suas habilidades. Ela diz ter aprendido com isso.

Agora, seu objetivo de vida, diz ela, é “capacitar todas as mulheres que querem ter acesso ao poder”, dar-lhes ferramentas e uma rede para ajudá-las quando forem atacadas. “Um espaço onde elas sintam que podem cair quantas vezes forem necessárias, porque nós estaremos lá”, diz essa mulher de voz e personalidade fortes. Hernández lidera uma plataforma que busca fortalecer a participação política de 300 mulheres de diferentes territórios e partidos políticos na Colômbia.

Juliana Hernández abraça uma de suas colegas da Artemisas durante uma reunião de mulheres líderes em Melgar (Colômbia).
Juliana Hernández abraça uma de suas colegas da Artemisas durante uma reunião de mulheres líderes em Melgar (Colômbia).Diego Cuevas

Pelo menos 100 dessas mulheres líderes se reuniram no último fim de semana em Melgar, Tolima, a duas horas de Bogotá, para uma espécie de convenção feminista com a rede Nosotras Ahora. Como disse a vice-presidente Márquez, que participou virtualmente, foi um encontro para as mulheres na política pensarem sobre si mesmas. Congressistas, vereadoras de vários municípios e candidatas a cargos eletivos em diferentes partes do país vieram falar sobre violência política, participar de oficinas sobre estratégia eleitoral, lidar com desinformação, tricotar, cantar e até dançar twerking. “A política também tem a ver com diversão”, diz Hernández.

Entretanto, essa não é a prática mais comum na Colômbia. As mulheres geralmente evitam participar da política porque é uma luta difícil que coloca em risco suas vidas e as de suas famílias. Na medida em que a participação política das mulheres avança, a violência contra elas aumenta. “Os principais desafios para as mulheres na Colômbia são suas vidas pessoais, sua saúde mental. Aqui, a liderança também significa receber ameaças quando seu trabalho como líderes sociais, ambientais e comunitários está em risco. É um exercício de alto risco”, diz Hernández, que também se refere à violência econômica. “Outro desafio é como garantir que os líderes tenham uma renda econômica. Pode parecer muito utilitário, mas a maneira de nos sustentarmos em um mundo como esse é ganhando, tendo salários, reconhecendo o trabalho de cuidado que essas mulheres fazem”, diz ela.

Construindo poder coletivo

Um dos primeiros encontros de Hernández com a realidade que lhe era estranha foi em Buenaventura, um dos lugares mais afetados pela violência no país. Lá, ela trabalhou em espaços humanitários e conheceu mulheres líderes corajosas que superaram disputas para enfrentar os grupos armados juntas. “Ouvi-las foi como mandar a teoria (feminista) para o inferno. Elas estavam fiando toda a teoria da opressão, das novas masculinidades, do que significa tecer, ter um espaço seguro para elas”, diz essa líder, que costuma ser polêmica e sem ambiguidades. Hernández diz que, quando criança, era introvertida, algo que é difícil de acreditar, pois ela transmite muita proximidade e autossuficiência. Ela sabe e admite que seu caráter pode ser chocante, mas diz que é rigorosa e muito disciplinada, que gosta de brilhar.

Juliana Hernández durante discurso no Congresso da Colômbia.
Juliana Hernández durante discurso no Congresso da Colômbia.Diego Cuevas

Antes de mergulhar na violência do Pacífico, ela trabalhara ouvindo e avaliando depoimentos de vítimas do conflito quando a Lei das Vítimas foi criada em 2011. Foi apenas por um semestre, mas isso lhe ajudou a ouvir em primeira mão os efeitos que eles sofreram. Ela também trabalhou na Plaza La Hoja, um projeto habitacional em Bogotá para vítimas e perpetradores do conflito. Ambos os trabalhos lhe causaram crises nervosas que, no entanto, não a afastaram do ativismo. “Acho que é importante falar sobre saúde mental e ser honesto. A vida pessoal de toda mulher tem a ver com a luta política. Nunca se pode desconectar o feminismo de sua vida pessoal”.

Paz, uma epifania

O processo de paz entre o governo de Juan Manuel Santos e as extintas FARC foi como uma epifania para essa mulher ativista, que o vê como um momento de transformação cultural, uma mudança de paradigma para sua geração. “O conflito armado tomou conta da agenda das feministas na Colômbia. Estamos falando sobre a guerra há 60 anos e talvez seja por isso que as espanholas e argentinas estejam tão avançadas nas discussões feministas”.

Hernández então trabalhou pelo “sim” no plebiscito de paz, opção que não venceu; ela estava no acampamento de paz montado na praça Bolívar para insistir na assinatura do acordo; e depois ficou obcecada em supervisionar as leis que o apoiariam. “Sou muito institucionalista e isso, como feminista, me custou muitas críticas, porque são estruturas patriarcais. Acho que você pode sair e se mobilizar com as batucadas quantas vezes quiser, mas a lei que nos protege de sermos assassinadas é uma lei que precisa ser aprovada”, diz ela.

É por isso que é comum vê-la no Congresso. Lá, ela desenvolveu processos de defesa política em diferentes áreas. Recentemente, ela se pronunciou sobre a maternidade de substituição e esteve à frente de um projeto de lei sobre violência política contra as mulheres. O primeiro passo, entretanto, é continuar a aumentar a representação das mulheres. De acordo com o relatório Mujeres y hombres: brechas de género en Colombia, elaborado pela ONU Mulheres, pelo Conselho Presidencial para as Mulheres e pelo Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE), “embora existam mulheres que conseguiram superar grandes obstáculos e

se tornaram figuras políticas e líderes proeminentes, ainda há trabalho a ser feito para que esses sucessos possam ser atingíveis e alcançados por outras mulheres que querem e têm o direito de participar em todos os espaços e em todos os níveis de tomada de decisão”.

Juliana Hernández compartilha com suas colegas da Artemisas durante uma reunião de mulheres líderes em Melgar, em 4 de junho de 2023.
Juliana Hernández compartilha com suas colegas da Artemisas durante uma reunião de mulheres líderes em Melgar, em 4 de junho de 2023.Diego Cuevas

Juliana Hernández está convencida de que este é o “tempo das mulheres” e que as novas figuras que mudarão o país surgirão dessa rede de apoio. Ela sabe que não é fácil. “Nossos maridos, companheiros, filhos e filhas não aceitam tão facilmente o fato de que queremos aspirar a um cargo eletivo e queremos ter poder, porque isso tem sido um exercício para os homens. Toda vez que nós, mulheres, dizemos que queremos ter poder, a mensagem não é bem recebida”, diz ela. Depois vem o silenciamento e o mansplaining. “Somos obrigadas a provar todos os dias de nossas vidas que somos boas mães, filhas, que merecemos os salários que temos, que merecemos uma vida decente”, diz ela.

A solução, ela acredita, é construir o poder coletivo. “Acredito no poder de articulação das mulheres e na criação de um poder coletivo muito grande em nível regional e nacional. É a partir daí que as transformações são alcançadas”, insiste ela. “Não fui para a África, mas considero que minha vida tem sido plena e é porque trabalho com mulheres aprendendo a construir coletivamente.

Sobre la firma

Catalina Oquendo
Corresponsal de EL PAÍS en Colombia. Periodista y librohólica hasta los tuétanos. Comunicadora de la Universidad Pontificia Bolivariana y Magister en Relaciones Internacionales de Flacso. Ha recibido el Premio Gabo 2018, con el trabajo colectivo Venezuela a la fuga, y otros reconocimientos. Coautora del Periodismo para cambiar el Chip de la guerra.
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