Bolsonaro, a destruição como estratégia
Antes de chegar à Presidência do Brasil em 2018, o atual mandatário foi deputado durante 27 anos; sua chegada ao poder não moderou seu temperamento explosivo, seu caráter desconfiado e tampouco sua visão de mundo maniqueísta
O acontecimento que provavelmente marcou mais intensamente a vida de Jair Messias Bolsonaro, 67 anos, ocorreu em 1970 na pequena cidade onde ele morava com seus irmãos e seus pais, um dentista sem qualificação que se aventurava à prospecção de ouro para ganhar o sustento, e uma dona-de-casa que estava tão gravemente grávida que queria chamá-lo de Messias porque considerava seu nascimento um milagre. O primeiro nome, Jair, é depois de um jogador de futebol.
Bolsonaro era um adolescente de 15 anos --e o Brasil uma ditadura-- quando um grande destacamento militar revolucionou a tediosa rot...
O acontecimento que provavelmente marcou mais intensamente a vida de Jair Messias Bolsonaro, 67 anos, ocorreu em 1970 na pequena cidade onde ele morava com seus irmãos e seus pais, um dentista sem qualificação que se aventurava à prospecção de ouro para ganhar o sustento, e uma dona-de-casa que estava tão gravemente grávida que queria chamá-lo de Messias porque considerava seu nascimento um milagre. O primeiro nome, Jair, é depois de um jogador de futebol.
Bolsonaro era um adolescente de 15 anos --e o Brasil uma ditadura-- quando um grande destacamento militar revolucionou a tediosa rotina de Eldorado, 180 quilômetros ao sul de São Paulo. Um contingente de soldados chegou ali em perseguição de Carlos Lamarca, um capitão desertor que se tinha juntado aos rebeldes, e em sua fuga ele atirou com a polícia na praça. O desembarque dos soldados, os bloqueios de rua e as buscas causaram uma impressão no jovem nascido em 1955 em Glicério (São Paulo). Anos mais tarde, ele entrou relutantemente no exército, deixou a instituição pela porta dos fundos, teve uma carreira longa e medíocre como deputado e, para surpresa de muitos de seus compatriotas que o ignoraram e desprezaram durante anos, tornou-se presidente da República em 2018.
Como presidente, o ultradireitista --de 67 anos, pai de cinco filhos por três esposas--, quebrou muitas promessas econômicas, mas fez passar uma remuneração popular para ajudar a pobres que é mais dinheiro e atinge mais pessoas do que o antigo programa Bolsa Família, facilitou a venda de armas e desmantelou a política ambiental do Brasil. O predileto dos eleitores mais conservadores graças à sua firme oposição ao alargamento do aborto ou dos direitos LGBT+ e ídolo do Brasil que detesta “o comunismo” e as políticas de igualdade de género, ele aspira a ganhar outro mandato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 77.
Apesar da crise econômica e da desastrosa gestão da pandemia, Bolsonaro manteve o apoio inabalável de um terço do eleitorado durante os últimos quatro anos.
Lula tem liderado há meses as sondagens, mas tanto o Jair Bolsonaro quanto os seus seguidores têm considerado elas como manipuladas e mentirosas. A verdade é que, na primeira volta, subestimaram o seu desempenho. Conquistou a maioria do Congresso e ficou cinco pontos atrás de Lula, menos da metade do previsto. Ele alcançou 43,2% em comparação com 48,5% do seu adversário. As pesquisas que ele tanto critica indicam que ele diminuiu a diferença até ter chance de vencer. Por precaução, sua mulher saiu em turnê para atrair o voto das mulheres, especialmente as mais conservadoras.
A jornalista Carol Pires, de 36 anos, autora de um fascinante perfil sonoro de Bolsonaro, intitulado Retrato Narrado, descobriu durante sua pesquisa o significado daquele episódio há meio século em Eldorado. Para ela, o traço principal de sua personalidade é que “mesmo quando jovem, ele já era paranoico, dado a conspirações”. Seus colaboradores depostos “dizem que passaram de aliados a inimigos num piscar de olhos, com explicações conspiratórias”. As substituições de ministros têm sido constantes. No auge da pandemia, ele mudou quatro vezes de ministro da Saúde.
“Durante seus 27 anos como deputado federal, Bolsonaro contou essa história (da caça de guerrilheiro) de maneiras diferentes”, explica Pires, repórter e guionista. Versão por versão, sua participação cresceu. Ele ganhou destaque. Primeiro, que a rusga o pegou na escola; depois, que testemunhou o tiroteio; depois, que se juntou aos soldados na busca... A jornalista acrescenta que, a partir de então, introduziu teorias conspiratórias. Ele diria, sem provas, que o guerrilheiro Lamarca estava na região financiada pelo prefeito de Eldorado, pai de Rubens Paiva, um deputado desaparecido durante a ditadura. Décadas mais tarde, Bolsonaro introduziu Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira, na história para implicá-la falsamente no desaparecimento daquele parlamentar. Puro Bolsonaro.
Em 2016, na tumultuosa sessão em que os deputados iriam votar sobre o impeachment da esquerdista Rousseff, o ultradireitista dedicou seu voto favorável a um repressor que a torturava enquanto ela estava detida. O gesto chocou alguns brasileiros, mas para muitos foi mais uma das provocações e explosões de Bolsonaro. Como as fotos dos ditadores que governaram entre 1964 e 1985, penduradas em seu gabinete no Congresso. Eles ainda ali estão: foram herdados por uma deputada bolsonarista.
Para o Presidente Bolsonaro, esta eleição é um duelo entre o bem e o mal. Ele também apela ao discurso messiânico para explicar sua chegada à presidência, posição para a qual acredita ter sido nomeado por Deus depois de sobreviver ao esfaqueamento de um louco que quase o matou durante a campanha eleitoral anterior. Foi um divisor de águas. Isso reforçou sua fama e o tirou dos debates eleitorais.
Durante esses quatro anos no topo do poder, ele desmentiu aqueles que previam que ele iria moderar no cargo. Bolsonaro o presidente é muito parecido com Bolsonaro o candidato ou deputado. Sua total falta de empatia para com as vítimas da COVID tem sido cara, com comentários como “meu nome é Messias, mas não faço milagres” ou sua resposta de “o que o senhor pode-me dizer, não sou um coveiro! Essa insensibilidade e o atraso na compra da vacina, com a consequente perda evitável de vidas, é uma das razões mais citadas pelos eleitores que apostaram nele como a encarnação da mudança e agora optarão por candidatos da chamada terceira via ou mesmo Lula.
Embora a pandemia representasse um desafio de um calibre que seus predecessores não tinham que enfrentar, a verdade é que a administração do presidente se caracteriza mais por seu objetivo destrutivo do que por sua determinação em construir. “Bolsonaro nunca teve um projeto político, nunca foi um congressista com propostas de políticas públicas”, salienta a jornalista Pires. “Suas declarações mais conhecidas são invariavelmente agressivas contra mulheres, homossexuais, negros. Sempre focalizada na aniquilação daqueles que são diferentes. Sua lógica é que, se discordar, ele é mau e deve ser destruído. O que ele quer colocar em seu lugar? Ele próprio não o sabe”, diz ela. Os admiradores de Bolsonaro chamam tudo isso de “franqueza”.
O capitão, como é conhecido na família, é o patriarca e líder de um clã político. Ele dirige um grupo compacto formado com seus três filhos mais velhos, estrategicamente colocados em diferentes centros de poder: Flávio, o primogênito, conhecido como 01, é um senador; o conselheiro municipal carioca Carlos, 02 (sic), é o cérebro por trás da estratégia da mídia social e o deputado Eduardo, 03, a ligação com a ultradireita iliberal no resto do mundo, de Trump ao Vox espanhol ou à italiana Meloni.
Para aqueles que o conheciam --uma minoria, aqueles que acompanham de perto a política parlamentar-- Bolsonaro era aquele deputado irrelevante, motivo de chacota que em três décadas não aprovou uma única lei. Ele é lembrado por ter dito nos anos 90 que “o regime militar deveria ter terminado o trabalho matando 30.000 pessoas” ou por ter dito a uma congressista de esquerda que ela era “feia demais para ser estuprada”.
Bolsonaro viu seu momento após a vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos. Ele capitalizou habilmente o cansaço com a corrupção, a violência e a insatisfação com os políticos de toda a vida, mesmo que ele fosse um deles. E seu filho Carlos, 02 anos, elaborou uma campanha de mídia social que se mostrou extremamente eficaz.
O patriarca colocou dez pontos à frente do candidato do Partido dos Trabalhadores na segundo turno, porque sabia aproveitar a situação, além de forjar alianças com evangélicos, polícias e soldados. Dois em cada três homens brasileiros e sete em cada dez protestantes votaram a seu favor. No interior do Brasil, seu discurso de dar prioridade ao desenvolvimento econômico extrativista, desconsiderando os danos ao meio ambiente ou às comunidades indígenas, também foi entusiasta. Isso lhe conquistou o apoio do setor econômico mais florescente, a indústria agrícola, enquanto ele destacou as ONGs, os povos nativos, os ambientalistas e outros setores como os culpados por travar o desenvolvimento econômico que beneficiaria os habitantes locais.
Quatro anos mais tarde, se as previsões das pesquisas se tornarem realidade, ele será o primeiro presidente brasileiro que não foi reeleito até agora neste século.
É impossível compreender Bolsonaro sem ter em mente que ele foi treinado na academia militar durante os anos da ditadura e que deixou a instituição no momento em que o Brasil retornava ao caminho da democracia, em 1988. Bolsonaro foi convidado a voltar à vida civil após ter contado à revista Veja sobre seus planos de plantar uma bomba para protestar contra o baixo salário dos soldados. A autora do perfil sólido de Bolsonaro argumenta que ele “traz essa mentalidade golpista do exército para a política”. Sua conclusão, depois de muitos meses imersa nos recantos da vida do presidente, é que “ele foi um mau militar, um mau congressista e um mau presidente”.
O ultradireitista e seus seguidores insistem em que as pesquisas o subestimem mais uma vez, como fizeram em 2018. Eles argumentam que os meios de comunicação e as autoridades eleitorais estão em coligação para destituí-lo e deixar Lula vencer. A prova, dizem eles, é que basta olhar para as multidões que ele reúne em seus eventos - famílias tradicionais, entusiastas de motocicletas e de armas - para ter certeza de que a vitória do capitão está ao seu alcance. A questão é o que acontecerá se as autoridades eleitorais certificarem que a maioria dos brasileiros prefere seu oponente.